8 de março: oportunidade para refletir e agir
O que pode significar este 8 de março de 2024 para a Enfermagem brasileira? Sobre o que a sociedade de nosso país pode refletir neste Dia Internacional da Mulher? Será que sabem que as mulheres representam 87% das profissionais da Enfermagem no Brasil*? Será que sabem que 53% delas são negras**? Será que associam esses fatos à maneira como o Brasil se constituiu como país? Será que compreendem que valorizar a enfermagem significa, principalmente, valorizar o trabalho de cuidado das mulheres, especialmente das mulheres negras?
A relação com as mulheres trabalhadoras é fruto da herança escravocrata e colonizadora de nosso país, e também do modelo neoliberal de desenvolvimento, em curso em todo o mundo, que aprofunda relações de dominação e desigualdade. Trata-se de uma luta secular, feita no cotidiano, mas que em datas como essa precisam ser lembradas em toda a sua potência: a valorização da Enfermagem só será possível com a valorização do trabalho da mulher, dos trabalhos de cuidado e do trabalho das mulheres negras.
Essa valorização implica, portanto, em mudança na mentalidade e comportamento que eximem os homens do cuidado com as crianças, pessoas idosas, pessoas doentes, assim como com a limpeza dos ambientes que frequentam, com o preparo diário de comida e tantas outras atividades delegadas “naturalmente” às pessoas do gênero feminino.
Além de uma mudança cultural, que passa pela divisão igualitária do trabalho doméstico, pelos direitos e deveres de meninos e meninas, até o aumento da ocupação de mulheres negras nos espaços de poder, onde poderão definir regras e tendências da sociedade a partir de uma outra compreensão da vida. E, sempre, a oferta de educação de qualidade, pública e gratuita, para todas as crianças brasileiras – tanto para aumentar sua capacidade de pensamento crítico, quanto para aumentar o acesso das mães ao mercado de trabalho.
Dessa forma, compreendemos que se trata de um problema de estrutura social. Por isso, só pode ser mudado se nós, ao refletirmos sobre esse problema, nos empenharmos em mudar as estruturas existentes. Pode parecer utópico e fora do nosso alcance individual, mas não é, e não está: a estrutura é formada por pequenas peças e cada um de nós tem a capacidade de mudar nossas atitudes em nossas pequenas áreas de atuação. Em nossa família, podemos ensinar que tanto rapazes quanto moças são responsáveis pela limpeza, por exemplo, assim como ambos podem sair para se divertir da mesma forma. Em nosso trabalho, podemos nos juntar contra o racismo, a discriminação, os diversos tipos de assédio e violência. Podemos sempre agir em defesa da justiça, da democracia, do bem estar de todas e todos, nas situações cotidianas da vida, que é onde se dá a injustiça.
O dia 8 de março é um chamado à reflexão e também um chamado para a ação: precisamos nos unir para desconstruir uma estrutura que nos oprime. Enfermeiras do Brasil, nós somos importantes para o cuidado e a saúde de toda a população. Estamos na linha de frente no enfrentamento de epidemias, como a da dengue, de pandemias, como a COVID-19. Enfrentamos superlotação, condições ruins de trabalho e remuneração que ainda não condiz com o que representamos para a Saúde do Brasil. A relutância de instituições particulares em pagar o mínimo para a Enfermagem é também reflexo do que já mencionamos – racismo e machismo -, acrescido de ganância.
Para a Enfermagem brasileira, o Dia Internacional da Mulher é dia de resistir e também de construir uma nova consciência, a partir do diálogo constante com a sociedade – que começa em nossas famílias, em nossos ambientes de trabalho, em nossos grupos de amigos e em todos os espaços que ocupamos e nos quais podemos usar nossa voz em defesa do que é justo.
*Opas – Organização Panamericana de Saúde. Relatório Estado da Enfermagem no Mundo, s.l. 2020.
** Cofen – Conselho Nacional de Enfermagem. Pesquisa Perfil da Enfermagem, s.l. 2017.