Burnout, depressão e ansiedade: a saúde mental também é questão de estrutura social 

  • 18 de junho de 2025
  • Livia

Enquanto influenciadores nas redes sociais e centenas de especialistas falam sobre a necessidade da qualidade do sono, do exercício físico, do tempo com a família, milhões de as(os) trabalhadoras(es) brasileiras(os) acordam de madrugada, em moradias inadequadas, e enfrentam horas no trânsito e no transporte público para encarar no mínimo 8 horas de trabalhos muitas vezes precários, com baixos salários e sem direitos trabalhistas. As mulheres, na maioria das vezes, ainda precisam se preocupar com a alimentação da família, a limpeza da casa, o cuidado com filhos e outras pessoas. Qual o tempo e as condições para ter qualidade de vida? 

Lutar por saúde mental é lutar por cidade, tempo e dignidade

Saúde mental não se trata apenas de oferecer terapia e medicação — embora isso também seja essencial. Trata-se de reconstruir o pacto social que permita às pessoas viverem com dignidade, pertencimento e tempo. Tempo para cuidar, para descansar, para existir.

É preciso reposicionar o debate sobre a saúde mental, trazendo a questão para o coletivo, político e estrutural. A luta por saúde mental também é luta por condições dignas de vida e trabalho, e divisão justa do trabalho doméstico. Isso inclui transporte público eficiente, acesso universal a creches e escolas, políticas de bem-estar e tempo para viver. 

Essas são questões que toda a sociedade precisa cobrar de seus representantes nos poderes executivo e legislativo estaduais e municipais, uma vez que as estruturas urbanas e políticas públicas fundamentais como transporte, creches, educação, cultura e lazer estão nas áreas de atuação de estados e prefeituras. 

PEC 19/2024: justiça para quem cuida

Por isso, é urgente repensar a reorganização das jornadas de trabalho. Para a Enfermagem, a aprovação da PEC 19/2024 – que vincula o piso salarial da Enfermagem a uma jornada máxima de 30 horas semanais, com reajuste anual garantido — é fundamental para garantir qualidade de vida e justiça para profissionais cuja rotina já está no limite. 

A ABEn e as demais entidades que fazem parte do Fórum Nacional da Enfermagem pressionam diariamente o Poder Legislativo para a aprovação da proposta, além de articular apoio do Poder Executivo e da sociedade, uma vez que melhores condições de vida e trabalho para a Enfermagem vão se refletir na melhoria do cuidado e atenção à toda a população.

O Brasil está exausto

Em 2023, foram realizados no Brasil 283 mil pedidos de licença no INSS por questões de saúde mental. Em 2024, foram 472 mil pedidos, o que mostra um um aumento de 68% no número de pessoas afastadas por razões como depressão, estresse agudo, síndrome do pânico, síndrome de Burnout e outros transtornos de ansiedade. 

Esses dados refletem o que os relatórios da Organização Mundial de Saúde já vêm mostrando: 20 milhões de brasileiros foram diagnosticados com ansiedade (9,3% da população) e 12 milhões (5,8%) sofrem de depressão. De acordo com dados de 2023 do Ministério da Saúde, mais de 14 mil pessoas se suicidam por ano, uma média de 38 mortes por dia.

Os corpos adoecem quando o sistema oprime

Segundo as professoras e especialistas em adoecimento pelo trabalho Lany Menezes e Thatiana Cappellano, a organização do trabalho no neoliberalismo é marcada pela sobrecarga, metas abusivas e insegurança, com consequências diretas sobre a saúde psíquica dos trabalhadores. 

Para Cappellano, vivemos sob um modelo de capitalismo financeiro que exige “fazer mais, melhor e mais rápido, com menos recursos e menos pessoas”. A pressão por produtividade, aliada à precarização das políticas públicas, forma o caldo tóxico do adoecimento: jornadas extenuantes, transporte precário, ausência de creches, falta de espaços públicos de lazer, esporte e descanso — especialmente para as mulheres, que acumulam trabalho produtivo e reprodutivo.

Não à toa, os adoecimentos por esgotamento emocional atingem de forma desproporcional as mulheres e as populações vulnerabilizadas, sobrecarregadas por estruturas sociais que desvalorizam os cuidados e exigem desempenho contínuo. A lógica neoliberal promove uma cultura de individualização da culpa: se você adoeceu, é porque “não soube lidar”, “não foi resiliente o suficiente”, ou “não se esforçou como devia”. 

A luta por saúde mental é coletiva, estrutural e política. É luta por melhores condições de vida e trabalho — para toda a sociedade. A ABEn e o Fórum Nacional da Enfermagem seguem firmes pressionando o Congresso e articulando apoio político pela PEC 19/2024 e pela valorização da Enfermagem. Porque cuidar de quem cuida é cuidar de todas e todos.