É preciso repensar a produção de pesquisas para evitar o produtivismo acadêmico, afirmam especialistas no 19º SENADEn
“O produtivismo acadêmico e as implicações para a qualidade do ensino na enfermagem” foi tema de mesa redonda na tarde deste dia 12 de novembro no 19º Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (19º SENADEn). Participaram do diálogo a coordenadora da área de Enfermagem da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e bolsista Produtividade no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ana Karina Bezerra Pinheiro, o pesquisador em Educação e professora aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) Valdemar Sguissardi e a professora de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Fernanda Carneiro Mussi.
Como introdução do momento de diálogo, foi realizada uma apresentação de Tai Chi Chuan e de Ba Duan Gi pela integrante do Instituto Confúcio de Medicina Chinesa na Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Hebei, da China, Lidia Ly. “Que oportunidade para a gente pensar sobre a necessidade de conectar nosso corpo e nossa mente, especialmente antes de conversarmos sobre produtivismo”, atentou a coordenadora da mesa, a diretora de Educação da ABEn Nacional, Célia Rozendo.
O professor Sguissardi indicou a leitura de seu livro Trabalho intensificado nas Federais – pós-graduação e produtivismo acadêmico, disponível em seu site. Valdemar Sguissardi critica o produtivismo acadêmico como uma pressão crescente sobre os professores das instituições públicas de ensino superior. Ele aponta que as políticas de reforma educacional e as mudanças na economia aumentaram a exigência por produtividade, medida pela quantidade de publicações e atividades acadêmicas realizadas. Esse modelo privilegia a produção quantitativa em detrimento da qualidade e da profundidade do trabalho, o que leva à intensificação e precarização do trabalho docente.
Para o professor, o neoliberalismo impulsionou reformas que reduziram o financiamento público e aumentaram a dependência das universidades de recursos externos, o que pressiona os professores a buscar projetos e parcerias que nem sempre são voltados para o bem social, mas sim para atender demandas mercadológicas.
Essas reformas envolvem redução de financiamento público, aumento da sobrecarga de trabalho e a necessidade de buscar recursos externos. A pressão por alta produtividade científica muitas vezes implica em uma visão utilitarista e pragmática da prática acadêmica, onde o valor do trabalho docente se resume à sua “utilidade imediata” para o sistema, deixando pouco espaço para reflexão e aprofundamento.
Ele alerta que essa lógica tende a comprometer a autonomia acadêmica e a identidade dos professores, que passam a atuar de maneira fragmentada e alienada, focados em cumprir metas numéricas e obter recursos adicionais em detrimento de uma educação de qualidade e de seu papel crítico e transformador na sociedade.
Esse cenário, segundo ele, leva à precarização do trabalho docente, manifestada na intensificação das atividades de ensino, pesquisa e extensão, acompanhada de salários achatados, condições de trabalho instáveis e uma sobrecarga que afeta tanto a saúde mental quanto a qualidade da vida acadêmica. Para Sguissardi, essa situação compromete a autonomia e o papel transformador que a universidade pública deveria desempenhar na sociedade, evidenciando a incompatibilidade entre a lógica neoliberal e os valores da educação pública de qualidade.
Sobrecarga e adoecimento
Fernanda Carneiro Mussi, professora de Enfermagem na UFBA, analisou o produtivismo acadêmico e suas consequências para os docentes, especialmente em relação à saúde mental e ao bem-estar. Em estudos sobre o impacto desse modelo de produção acadêmica, ela e outros pesquisadores apontaram que a pressão por publicar continuamente não apenas gera sobrecarga, mas também está relacionada ao estresse e ao adoecimento dos professores. Essa exigência por produtividade muitas vezes se sobrepõe à qualidade de vida dos docentes, invadindo sua vida pessoal e prejudicando sua saúde física e mental.
Além disso, Mussi observou como o produtivismo acadêmico se alinha com as mudanças neoliberais, que intensificam o trabalho docente e tornam o ambiente universitário cada vez mais competitivo e extenuante. Esse cenário gera um efeito que não apenas transforma o papel da universidade, mas também altera as condições de trabalho dos professores, impondo um ritmo cada vez mais acelerado de publicações e avaliações, e promovendo uma “mercadorização” do conhecimento acadêmico.
Mudanças nos critérios de avaliação e fim do Qualis
A coordenadora da área de Enfermagem na CAPES e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Ana Karina Bezerra Pinheiro tem se dedicado a fortalecer a excelência e a qualidade da pós-graduação em Enfermagem no Brasil. Em suas palestras e publicações, ela foca na importância de estratégias de avaliação rigorosas e na busca contínua por melhorias institucionais, visando fortalecer os programas de pós-graduação frente aos desafios do produtivismo acadêmico. Ela destaca que a formação de excelência deve equilibrar as exigências de produtividade com o desenvolvimento integral dos discentes e docentes, promovendo um ambiente de ensino e pesquisa que favoreça tanto o crescimento acadêmico quanto o impacto social dos programas de Enfermagem.
Esse equilíbrio, segundo Pinheiro, é essencial para que as avaliações da CAPES sejam mais do que meros números, mas sim indicadores de um compromisso real com a qualidade e relevância social da pesquisa na área da saúde, um ponto que é central em sua atuação dentro da CAPES e CNPq.
Karina destacou que produção é inerente à atividade acadêmica, além de ser um compromisso social, pois deve ter como objetivo promover impacto na qualidade de vida das pessoas, seja por redirecionamento de políticas públicas seja por inovações tecnológicas, por exemplo.”No Brasil, 95% das pesquisas vêm de universidades públicas estaduais e federais ligadas a programas de pós-graduação e instituições públicas de financiamento. A maior parte das pesquisas contam com recursos públicos, seja da Capes, CNPq e também de fundações estaduais”, explicou.
Um dos pontos de maior interesse do auditório, que estava cheio, foi quando a coordenadora de Enfermagem da Capes afirmou que, a partir de 2025, depois de um amplo processo de diálogo e debates feitos a partir das provocações da comunidade acadêmica, haverá uma redução do peso dos critérios de avaliação dos indicadores quantitativos de produção intelectual especialmente no número de publicações em periódicos. “Haverá, em vez disso, uma valorização da qualidade, não apenas do veículo ou periódico, mas do impacto das pesquisas, impacto social, o que ele traz de novo para a construção de políticas públicas, se está trazendo inovação para a saúde e qualidade de vida das pessoas. Isso é importante para romper com a lógica do produtivismo”, afirmou Karina. “Não teremos mais o Qualis, que é o sistema brasileiro de avaliação de periódicos, mas teremos estratificação dos artigos a partir da qualidade dessa produção”, concluiu.