ABEn E Associações E Sociedades De Especialistas Filiadas Sobre A Resolução Cofen Nº 731

  • 2 de fevereiro de 2024
  • Phmendes

A Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn Nacional e demais entidades signatárias do presente documento, vêm a público expressar a preocupação em relação a Resolução 731/2023 do Conselho Federal de Enfermagem que “regulamenta a realização de sutura simples pela (o) enfermeira (o)”, considerando aspectos relativos à formação e educação permanente, bem como questões ético-legais e sociopolíticas sobre as quais repercutem a referida resolução.

Argumentos Ressaltados

  1. O texto da Resolução não contempla a necessidade de especialização por parte das (os) enfermeiras (os), assim como não prevê a obrigatoriedade de habilitação específica para realizar o procedimento. Esta lacuna abre a possibilidade de que toda (o) enfermeira (o) possa realizá-lo, o que o que pode resultar em exposição desnecessária da (o) profissional como também da população à riscos de imperícia, de imprudência e até mesmo de negligência;
  2. Nos currículos dos cursos de Graduação em Enfermagem, não são abordados os aspectos teóricos e práticos necessários à realização da sutura, assim como a escolha dos materiais adequados e uso de anestésicos;
  3. Tais procedimentos têm sido alvo apenas da formação de obstetrizes e enfermeiras (os) obstetras para episiotomia e episiorrafia, para as (os) quais há regulamentação para o exercício dessa prática1-4. Nem mesmo nos cursos de pós-graduação, estes procedimentos têm sido inseridos no processo formativo como prática de outras especialidades;5-6
  4. Ao deixar aberto a toda (o) enfermeira (o) a possibilidade de realização do referido procedimento, a Resolução poderá ser utilizada por gestores e outros profissionais para que a (o) a enfermeira (o) substitua outros membros da equipe em situações nas quais possam existir pessoas com lesões ou feridas, sem garantia de que a (o) enfermeira (o) tenha o devido preparo técnico científico e remuneração compatível para agregar mais essa atribuição;
  5. Para alguns grupos populacionais, o risco de procedimentos inadequados pode ser ainda maior, como é o caso de crianças e idosos. As crianças, como vítimas frequentes de pequenos acidentes que resultam em suturas, exige-se abordagem diferenciada, sendo fundamental a garantia de analgesia local e estratégia de minimização de cicatrizes. E no caso dos idosos, as características específicas da pele podem ter consequências na cicatrização;
  6. A expressão “sutura simples”, utilizada na resolução, não corresponde aos conhecimentos atuais e evidências sobre os mecanismos adjuvantes para favorecer o processo de reparação de lesões, assim como as expressões “pequenas lesões” e “lesões superficiais” exigem descritores e parâmetros mais precisos. A redação do documento permite interpretações dúbias, equivocadas e discrepantes, aumentando o risco tanto no que tange ao diagnóstico do tipo de lesão, como da proposição da conduta por parte da (o) enfermeira (o);
  7. É preciso considerar que a realização de suturas requer uso de anestésico e ainda podem ocasionar efeitos adversos, como infecções, que podem exigir o uso de medicamentos para sua mitigação. Nesse caso, diferente de outros países onde enfermeiras especialistas estão devidamente habilitadas e amparadas legalmente para alguns tipos de prescrição, aqui no Brasil as(os) enfermeiras (os) ainda não possuem respaldo de formação ou amparo legal para prescrição de analgésicos, hemostáticos sistêmicos, antibióticos, anti-inflamatórios, antialérgicos, etc;
  8. O cenário atual de exercício da profissão de Enfermeira (o) denota uma sobrecarga de trabalho tanto na atenção direta à saúde, como na gestão, na docência e na pesquisa, com enormes desafios para a realização das ações e atividades que já fazem parte do atual escopo de práticas. Esta sobrecarga tem gerado inúmeras publicações que evidenciam a necessidade urgente de reorganização dos processos de trabalho, com dimensionamento adequado de pessoal, condições de trabalho e remuneração dignas. Acrescentar ao profissional mais uma atribuição complexa e de alto risco impactará ainda mais neste delicado quadro em que se insere as enfermeiras e enfermeiros brasileiros;
  9. A ampliação do escopo de práticas da (o) enfermeira (o) é uma realidade mundial, sendo tema de publicações e debates em congressos e fóruns. E nesse processo, tem sido refletido que tal ampliação não significa assumir atividades de outras categorias, através de normativas isoladas, mas que tal ampliação precisa ser amplamente discutida com todos os atores, entidades da categoria, especialistas, educadores, gestores e outros segmentos estratégicos da sociedade;7
  10. No ano de 2022 a Resolução COFEN 731 foi submetida a consulta pública, concluída em agosto de 2022,8 obtendo apoio de 1028 pessoas, não apoiada por 128. Este universo é extremamente pequeno como fonte para a decisão, quando consideramos que o total de enfermeiras (os) no Brasil, segundo dados do COFEN, é de aproximadamente 650 mil;
  11. Resoluções dessa natureza podem levar a disputas jurídicas entre conselhos profissionais, com casos que podem repercutir em insegurança jurídica para profissionais e população, em desfavor das enfermeiras e enfermeiros.

Conclusão:

  • A (o) enfermeira (o) poderá vir a realizar a sutura desde que o processo formativo teórico-prático esteja garantido para tal, seja no âmbito da graduação ou da pós-graduação e que venha acompanhado de regulação deste exercício de acordo com essa respectiva formação, a fim de respaldar profissionais e promover a segurança do paciente;
  • Que seja regulamentado não apenas a atribuição relativa ao procedimento em si, mas de todas as ações delas derivadas, no que tange à anestesia e controle de danos e complicações por meio medicamentoso;
  • Os critérios clínicos que envolvem a avaliação do tipo de lesão e condutas a serem adotadas pelas (os) enfermeiras (os) necessitam estar claramente definidos.

Diante de tais considerações e preocupadas com o cuidado à população e com a garantia da qualidade e segurança da assistência de enfermagem, as entidades abaixo assinadas encaminham ao Conselho Federal de Enfermagem solicitação de revogação do texto atual e de abertura de um processo de construção mais ampla envolvendo as organizações especializadas, às instituições formadoras e Ministério da Saúde, assim como uma nova Consulta Pública com maior participação das enfermeiras e enfermeiros.

 

Brasília, Janeiro de 2024

 

Referências consultadas:

  1. RESOLUÇÃO COFEN Nº 278/2003 – ALTERADA PELA RESOLUÇÃO COFEN Nº 731 DE 13 DE NOVEMBRO DE 2023. Vedado ao Profissional de Enfermagem a realização de suturas. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-2782003/
  2. PARECER COREN – BA N⁰ 005/2014. Possibilidade de realização de Curso/Oficina de Suturas. Disponível em: http://www.coren-ba.gov.br/parecer-coren-ba-n%E2%81%B0-0052014_15492.html
  3. LEI Nº 7.498 DE 25 DE JUNHO DE 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
  4. DECRETO Nº 94.406 DE 8 DE JUNHO DE 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem e dá outras providências. http://ro.corens.portalcofen.gov.br/decreto-n-9440687-dispoe-sobre-o-exercicio-da-enfermagem-e-da-outras-providencias_767.html
  5. RESOLUÇÃO COFEN Nº 581/2018, que trata do rol das especialidades em enfermagem no seu anexo, incluindo na área 1, item 11) Enfermagem Dermatológica onde estabelece as Feridas como área de abrangência.
  6. RESOLUÇÃO COFEN Nº 625/2020. Altera a Resolução COFEN nº 581, de 11 de julho de 2018, que atualiza, no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para Registro de Títulos de Pós – Graduação Latu e Strictu Sensu concedido a Enfermeiros e aprova a lista das especialidades Disponivel em: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-04772015/
  7. Associação Brasileira de Enfermagem. Práticas Avançadas em Enfermagem no Brasil. Valorização do trabalho interprofissional e coerência com os princípios do SUS. Disponível em : https://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2023/11/Praticas-Avancadas-em-Enfermagem.pdf
  8. Consulta Pública sobre a Resolução 731. Disponível em: https://consultapublica.cofen.gov.br/cofen/29/proposicao

 

Entidades filiadas à ABEn que subscrevem esse documento:

  • Associação Brasileira de Enfermagem em Estomaterapia – SOBEST
  • Sociedade Brasileira de Enfermagem em Dermatotologia – SOBENDE
  • Sociedade Brasileira de Enfermagem Forense – SOBEF
  • Sociedade Brasileira de Enfermagem de Feridas e Estética – SOBENFEE
  • Academia Nacional de Cuidados Paliativos – ANCP